MERVAL PEREIRA
Não há como negar a existência de uma crise entre o Legislativo e o
Judiciário neste momento, e o pano de fundo é o julgamento do mensalão,
agora na sua fase decisiva. Há diferenças fundamentais, no entanto,
entre decisões tomadas nas últimas horas que geraram esse ambiente de
mal-estar institucional.
O equilíbrio entre os poderes da República será quebrado caso o
escandaloso projeto de emenda constitucional aprovado pela CCJ da
Câmara, dando ao Congresso a possibilidade de rever decisões do Supremo e
até mesmo submeter algumas delas a plebiscito, prossiga até o final do
processo legislativo. Uma retaliação clara de um grupo petista à atuação
do Supremo no julgamento do mensalão.
Já a liminar concedida pelo Ministro Gilmar Mendes sustando a
tramitação do Projeto de Lei que cria obstáculos a novos partidos segue
rigorosamente a jurisprudência da Corte e representa a defesa
constitucional dos “princípios democráticos, do pluripartidarismo e da
liberdade de criação de legendas.” A base de toda a discordância está na
não aceitação por parte de grupos políticos da predominância do Supremo
Tribunal Federal no que se refere à interpretação constitucional.
É com o objetivo de ressaltar esse papel do Supremo de dar a última
palavra em termos de Constituição que o Ministro Gilmar Mendes lembra na
liminar que, quando analisou a ação direta de inconstitucionalidade
contra o PSD, que tinha o objetivo de impedir que os parlamentares que
foram para a nova legenda levassem consigo o tempo de televisão e o
dinheiro do Fundo Partidário, o Supremo decidiu “assegurar aos partidos
novos, criados após a realização das últimas eleições gerais para a
Câmara dos Deputados, o direito de acesso proporcional aos dois terços
do tempo destinado à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na
televisão, considerada a representação dos deputados federais”.
Diante dessa decisão, que, lembra Gilmar Mendes, foi acatada na
última eleição municipal, o Projeto de Lei “parece afrontar diretamente a
interpretação constitucional veiculada pelo Supremo Tribunal Federal no
julgamento da Adin 4.430, relator Ministro Dias Toffoli, a qual
resultou de gradual evolução da jurisprudência da Corte, conforme
demonstrado”.
O presidente do Senado, Renan Calheiros, levou a questão para o plano
emocional quando afirmou que, “da mesma forma que não interferimos no
Judiciário, não aceitamos que o Judiciário influa nas nossas decisões”.
Na própria liminar, o Ministro Gilmar Mendes já respondera a essa
acusação reproduzindo um texto do decano da Corte, o ministro Celso de
Mello, que diz que o Supremo pode interferir “sempre que os corpos
legislativos ultrapassem os limites delineados pela Constituição ou
exerçam as suas atribuições institucionais com ofensa a direitos
públicos subjetivos impregnados de qualificação constitucional e
titularizados, ou não, por membros do Congresso Nacional”.
Para o Ministro Gilmar Mendes, diante da decisão anterior do STF, “a
aprovação do Projeto de Lei em exame significará, assim, o tratamento
desigual de parlamentares e partidos políticos em uma mesma legislatura.
Essa interferência seria ofensiva à lealdade da concorrência
democrática, afigurando-se casuística e direcionada a atores políticos
específicos”.
O Ministro Gilmar Mendes trouxe ao debate mais uma vez, na sua
liminar, a impossibilidade de se alterar uma decisão do STF através de
um projeto de lei, coisa que o próprio Supremo já considerou
inconstitucional. A esse respeito, há a famosa discussão entre Rui
Barbosa e Pinheiro Machado, que criticava uma decisão do STF. O episódio
foi lembrado por Celso de Mello durante o julgamento do mensalão,
dizendo que Rui definira “com precisão” o poder da Suprema Corte em
matéria constitucional:
“Em todas as organizações, políticas ou judiciais, há sempre uma
autoridade extrema para errar em último lugar. O Supremo Tribunal
Federal, não sendo infalível, pode errar. Mas a alguém deve ficar o
direito de errar por último, a alguém deve ficar o direito de decidir
por último, de dizer alguma coisa que deva ser considerada como erro ou
como verdade.”
(Veja)
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